A peça de Carlos Filipe no Público de hoje sobre a união da cultura e do desporto no ex-Complexo Desportivo da Lapa trás ao desporto magníficas notícias.
A Lapa vai ser respeitada na sua integridade cultural e desportiva o que muitas pessoas de bom senso defenderam desde 2008.
Pela minha parte escrevi vários textos.
O texto que se segue foi proposto por mim ao blogue Colectividade Desportiva que o publicasse como anónimo.
Tal foi recusado dado o estilo do texto que me identificava e na altura concordo que era um risco muito grande ter uma posição tão frontal face ao poder político do governo PS.
O texto aqui segue tal como foi escrito em 2008:
A venda do Complexo
Desportivo da Lapa à empresa Estamo
1. A
venda das infra-estruturas desportivas do centro das cidades é proibida pela
legislação dos países europeus mais avançados. As razões relacionam-se com:
a. As
instalações desportivas são espaços de serviço público que geram benefícios
para as populações locais e para as organizações e empresas aí sedeadas.
b. A
venda dos espaços em áreas urbanas valorizadas gera mais-valias financeiras instantâneas
que beneficiam os agentes privados que as adquirem.
c. Esta
apropriação privada de benefícios públicos é imoral para as populações
carenciadas, como parte das que vivem na Lapa e bairros limítrofes. Alguns
moradores da Lapa terão meios para pagar os ginásios privados e o usufruto de
espaços desportivos noutros locais da cidade o que não acontece com as
populações com restrições à sua mobilidade para a prática desportiva.
2. O
silêncio da opinião pública face à venda do Complexo Desportivo da Lapa (CDL) mostra
a pouca distância que estamos do Burkina Fasso.
3. Não
vale a pena chamar nomes aos protagonistas porque a sociedade é que está a
errar:
a. O
desporto já se apercebeu que há equipas e projectos que o prejudicam.
b. Este
Governo e as Finanças ou outros quaisquer decidiram vender património público e
o desporto foi incapaz de propor vias de benefício alternativo ao Estado.
4. Grosso
modo, como se processou a venda do património público desportivo?
a. Após
a desafectação do património público, a venda do CDL à empresa pública Estamo rendeu
8,5 milhões de euros, dizem que parte do qual já entrado no Instituto do
Desporto de Portugal.
b. Seguidamente
a Estamo valoriza este espaço em termos imobiliários permitindo-lhe realizar
uma mais-valia, de milhões de euros adicionais, como simples intermediário da
valorização do velho património desportivo em activo imobiliário.
c. Não
se sabe se os termos deste negócio foram propostos pelo desporto ao Governo ou
se foi este a determinar os termos da decisão.
d. O
ministro do Desporto não explicou a razão do seu acto em conjunto com os da
Cultura e Finanças.
e. Existem
dúvidas sobre os direitos dos herdeiros dos donos iniciais do CDL os quais
terão doado ao Estado para uso desportivo.
i.
Se for esse o caso, os herdeiros não se
importarão de um ressarcimento financeiro, o que descansa o Ministro das
Finanças mas não acalma os princípios éticos desportivos a que deveriam estar
atentos os ministros do Desporto e da Cultura.
ii.
A venda fazendo-se a 100 metros da residência
oficial do Primeiro-Ministro não se poderá afiançar que se ignora o que se passa.
5. O
que é o CDL? A dimensão imaterial do património do complexo Desportivo da Lapa
é superior à soma das suas partes. Inúmeras dimensões vitais podem ser
consideradas:
a. A
dimensão de alta competição: O CDL tem servido os atletas da alta competição do
judo e da esgrima, nomeadamente, o que uma análise fina e complexa das
necessidades da alta competição nacional permitirá encontrar uma nova relação
de eficiência.
b. A
dimensão de serviço público local: localizado no seio dos bairros dos bairros
carenciados da Madragoa, Lapa, Santos e da Estrela o CDL é a oportunidade de
serviço público local a potenciar pelas Juntas de Freguesia locais. As
populações de maiores rendimentos usam a instalação assiduamente e se por um
lado podem deslocar-se a outras instalações limítrofes já as escolas infantis,
universitárias e outros serviços da zona serão prejudicados pela opção economicista
da administração central. Desconhece-se até ao momento a posição da Câmara
Municipal de Lisboa sobre este acto que afecta a qualidade de vida das suas
populações da zona da Lapa.
c. A
dimensão cultural e patrimonial da Lapa como um dos bairros carismáticos de
Lisboa e do país: Enquanto sede do Museu e da Biblioteca do Desporto,
facultando dimensões culturais e científicas, o CDL extravasa a utilidade dos
serviços desportivos e administrativos que a espaços têm sido potenciados. Os
serviços do CDL são adequados à Lapa compaginando os serviços de liderança
pública do desporto, a excelência desportiva e o usufruto da população local.
d. A
dimensão política: O CDL pode ser a sede da Secretaria de Estado do Desporto
junto à Assembleia da República e perto da Presidência do Conselho de
Ministros. Por tradição os Secretários de Estado do Desporto são deputados o
que mais realça a desatenção do pessoal político para um activo como o CDL. A maximização
do espaço permite ter acesso para três ruas distintas e a reconfiguração
arquitectónica do complexo permitiria a salvaguarda do ruído e movimento
público das instalações desportivas e da qualidade necessária à sede de uma
Secretaria de Estado.
e. A
dimensão patrimonial e arquitectónica: O complexo necessita de um projecto
ambicioso e socialmente mobilizador. Portugal possui arquitectos de qualidade e
empresas capazes de face a um programa definido com rigor em resposta aos
princípios europeus de desenvolvimento criar um centro notável para o bairro da
Lapa.
f.
A dimensão autárquica: O diálogo com a Câmara
Municipal de Lisboa é fundamental em múltiplos factores quando toca a mexer
numa peça capital como o CDL.
g. A
dimensão legislativa: o regime jurídico das instalações desportivas têm lacunas
não resolvidas como seja o caso do abate das instalações que servindo
populações, por vezes carenciadas, assistem à apropriação de benefícios
financeiros privados e que são inaceitáveis eticamente do ponto de vista da
ética do Governo e do Desporto.
h. A
dimensão económica: Eventualmente o destino do CDL ficou traçado com a pobreza
da economia aplicada ao desporto a qual enfraquece os principais projectos
desportivos nacionais. O desporto, o CDL e a Lapa possuem uma equação de
eficiência complexa que é necessário assegurar. Existem custos e existem
benefícios que não foram avaliados com o projecto de abate do CDL. Estão em
causa princípios de comportamento público e de governance da coisa pública que
têm sido defraudados ao desporto português. Retirar o CDL tem custos para a
população local, para a cultura e o património da Lapa e para a alta
competição. São custos intangíveis que a administração pública portuguesa não
trata e que no caso do desporto assume dimensões éticas que noutros sectores
poderão ser desprezíveis. Do lado das receitas, a resposta aos benefícios
potenciais gerará benefícios monetarizáveis os quais valorizarão o investimento
realizado pelo Estado e libertará espaço para algum aproveitamento lucrativo
adicional a ser explorado pública ou empresarialmente.
6. Opções
possíveis:
a. Abandonar
à voracidade economicista do orçamento nacional desequilibrado, deste ou doutro
governo, uma peça essencial da qualidade de vida de um dos bairros carismáticos
dos portugueses.
b. Reconceber
o CDL numa visão inovadora e moderna, do século XXI, para o espaço que pode ser
tomado como um exemplo nacional sobre o que fazer das instalações desportivas
situadas nos centros da cidades portuguesas.
7. Qual
a falha fundamental deste projecto de abate do CDL?
a. A
inexistência de um conceito nacional de desporto e do seu desenvolvimento em
benefício da população.
b. O
abate da infra-estrutura dividindo os benefícios entre o IDP, que ganha os
trocos, 8,5 milhões, as Finanças, que ganha duas, três ou quatro vezes mais
pela venda directa aos privados, e os privados é uma solução menor e preguiçosa
na perspectiva financeira e eticamente reprovável na óptica do desporto.
8. Poderá
o Colectividade Desportiva assumir uma função pública de debate e sensibilização
da opinião pública para este possível atentado interesse do desportivo nacional
e mobilizar a sociedade para uma solução alternativa?
Lisboa,
20 de Outubro de 2008