quinta-feira, 2 de agosto de 2012

OS DEUSES DO DARDO

Crónica do Professor Carlos Fiolhais publicada no “Sol” e no blog “De Rerum Natura”, em 27.07.2012

OS DEUSES DO DARDO



Agora que estão a começar, em Londres, os XXX Olímpiadas da era moderna, surge nos media uma avalanche de dados sobre as várias modalidades: os atletas, as marcas, a história. Venho aumentá-la um bocadinho fornecendo alguns dados sobre o dardo.

Porquê o dardo? Trata-se de uma modalidade olímpica onde os recordes tiveram uma queda, em vez de terem sempre aumentado. O actual recorde mundial é de 98,48 m, obtido em 1986 pelo checo Jan Zelezný, um lançador fenomenal, detentor das cinco melhores marcas mundiais de sempre, mas o recorde mundial anterior era de 104,80 m, marca conseguida pelo alemão de Leste Uwe Hohn, o único atleta a lançar o dardo além de 100 m. O actual recorde olímpico, de posse do norueguês Andreas Thorkildsen (90,57 m, em 2008, nos Jogos de Pequim), o grande favorito para Londres, é também menor do que já foi. Como é isso possível? Acontece que em 1986 os regulamentos do dardo foram alterados: com a pulverização dos recordes, corria-se o risco de o dardo acertar nalgum espectador. Não se alterou nem a dimensão do dardo (para homens, entre 2,6 e 2,7 m) nem o seu peso (máximo de 800 gramas), mas deslocou-se o centro de gravidade escassos 4 cm mais para a frente. Essa simples mudança fez com que o dardo, em vez de planar no ar durante muito tempo, tivesse tendência para se inclinar, caindo mais cedo e mais virado para o solo. A física do movimento real do dardo é bem mais complexa do que a física dos projécteis que se aprende na escola secundária, mas os lançamentos feitos pelos melhores atletas podem ser simulados na perfeição com base nas leis de Newton. Assim, conseguimos, por exemplo, perceber porque é que eles, para obter os seus recordes, lançam o dardo com um ângulo de cerca de 40 graus relativamente à horizontal (o ângulo óptimo depende um pouco do vento).

Já nas Olimpíadas da era antiga, na Grécia, se praticava o lançamento do dardo, imitando certamente o arremesso pelos guerreiros de uma lança. Curioso é que os Lusitanos, que povoaram o território português na época dos Romanos, adoravam um deus, de seu nome Runesocesius, a quem atribuíam a posse de um dardo. Era o “deus do dardo”. Já não há deuses como antigamente. Mas atletas como Zelezný, Hohn  e Thorkildsen são os modernos deuses do dardo.


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