Com efeito Francisco Amorós,
durante o reinado Carlos IV, e como deputado nas Cortes de Bayona, tomou o
partido francês, ao votar a favor de Joseph, irmão de Napoleão, contra as
pretensões de Fernando VII. Logo que
entronizado, em 1808, Joseph, que reinaria até 1813, nomeou Amorós Intendente
Geral da Polícia[16] , Ministro do
Interior e Comissário Real do Exército em Portugal. Assim que as rédeas do
poder voltaram para as mãos do Fernando VII, filho de Carlos IV, o Coronel
Amorós, conotado como colaborador dos franceses, donde a designação de “afrancesado”[17], teve de emigrar
para França, nos finais de 1813, onde acabou por se naturalizar em 1816, e
implantar o Sistema Francês de Ginástica .
Como pedagogo de invulgares
qualidades, criou em Madrid o 1.º
ginásio no Instituto Pedagógico segundo as orientações do seu autor, o suíço
Pestalozzi, de que resultou ter sido nomeado, director do Real Instituto
Pestalozziano de Madrid, criado por Carlos IV, em 07.08.1807, com a
participação de alguns pestalozzianos vindos expressamente da Suíça. Amorós
mudou o nome para Real Instituto Militar Pestalozziano, porque se destinava aos
filhos dos oficiais do exército e às pessoas de distinção. A sede da Suíça
discordou totalmente do cunho castrense e elitista. Esta alteração aos
preceitos pedagógicos de Pestalozzi que propugnava por uma educação popular
destinada aos mais desfavorecidos, provocou uma longa troca de correspondência
entre a sede helvética e Amorós, sem qualquer acordo possível. Porém, o
descontentamento do sector da Igreja que via as suas funções educativas em
outras mãos, da nobreza, e dos políticos, pelo total desacordo da mudança do
Instituto, fez com que o governo ordenasse o imediato encerramento do Instituto.
Amorós, ciente de que ganharia a
causa, apresentara entretanto o Escudo de Armas do Instituto Pestalozziano,
pintado por Goya, introduzindo: na parte inferior direita os filhos de Amorós,
Manuel a segurar a tábua das unidades, e
António a apontar uma parte dela como se estivesse a utilizá-la, os primeiros
inscritos do Instituto; e à esquerda, em primeiro plano, uma criança de 10 anos
militarmente fardada, com um sabre na mão esquerda, e uma tábua pestalozziana
na mão direita. Um raio de luz ilumina as três figuras.
(Fonte: Doctrina de
la visión de las relaciones de los números,
Madrid de la Imprenta Real, 1807)
Na parte inferior pode ler-se:
REAL INSTITUTO MILITAR PESTALOZZIANO
ESTABLECIDO POR S. M.
BAXO LA PROTECCION DEL S.MO S.OR
PRINCIPE GENERALISIMO
ALMIRANTE
Quando Napoleão desistiu de
Madrid, depois da derrota das suas tropas na Batalha de Vitória, em Junho de 1913, abandonando a Espanha, Amorós
juntou-se às tropas francesas de Massena que perdiam e estavam a ser empurradas
para a França, acabando por seguir o mesmo caminho, e chegar a Paris em
Dezembro.
Amorós, cujo carácter transparece
no lema que abraçou vitam impendere vero (Juvenal, 4.91), ou seja, arriscar a vida pela verdade, foi o de conseguir a todo o custo construir
um gigantesco ginásio e adoptar um método de Ginástica para a França, e nisso
se empenhou até à exaustão. Não que ainda pensasse na sua génese, mas porque já
tinha tudo preparado, explicado, e escrito meticulosamente, quando, ainda antes
de saber o local onde haveria de implantá-lo, conseguiu de um particular a
manufactura dos aparelhos que iriam povoar o Ginásio, para o que lhe forneceu o
plano, com desenhos e medidas. Neste entretanto, sem perca de tempo, vasculhou
Paris, recanto a recanto, rua a rua, à procura do espaço necessário, enquanto
simultaneamente sondava as autoridades locais e governamentais, mostrando os
planos e as ideias concretizadas no papel, para um apoio, mas a inviabilidade
de obter qualquer resposta das entidades públicas à sua exposição não o
desanimou.
É certo que também imbuído das mesmas
ideias de Pestalozzi, Clias introduziria, em 1815, o ensino da ginástica nas
escolas de Paris, até 1833, sem o aparato do sistema amorosiano. Mas é
historicamente referido ter havido sempre, entre os dois criadores de ginástica,
uma grande rivalidade, desde a chegada de Amorós nos finais de 1813, até à
saída de Clias em 1833, para Inglaterra, de onde regressou em 1843, convidado
pelo governo francês para organizar e dirigir o ensino da ginástica nas escolas
do ensino primário. A revolução de Fevereiro de 1848 obrigou Clias a voltar à
Suíça, terra da sua naturalidade.
Nas andanças por Paris descobriu,
nos confins do Quartier Latin[18], princípios da rue d’Orleans (hoje, rue Daubenton), o orfanato Institut Durdan, perto do Jardin des Plantes, e encontrou no responsável da instituição a
melhor adesão e colaboração, e cujo total apoio e entusiasmo permitiu obter um
bom subsídio da municipalidade, pelo que a construção do Ginásio se iniciou em
01.01.1818, tendo sido considerado o primeiro
de Paris, e utilizado de imediato
pelos “órfãos” de todos os escalões etários. Os resultados do trabalho
desenvolvido por Amorós não se fizeram esperar: tanto pela manifesta alegria
transbordante dos jovens ginastas como pela habilidade e destreza de todos os
alunos na execução, e à vontade demonstradas na utilização dos aparelhos e
instrumentos.
Os ecos deste acontecimento
chegaram aos gabinetes dos ministros da guerra e do interior, que logo se
apressaram a tomar medidas de apoio. Amorós argumentava, quando insistia na
ideia de que, se a Prússia, a Suécia e a Suíça tinham grandes ginásios ao ar
livre, também a França os poderia ter, e isto, independentemente dos ginásios fechados
que se espalhavam na Europa, sinal inequívoco da tendência ginasista, como
constituíam os exemplos existentes no seu tempo:
1. O do alemão Friedrich-Ludwig Jahn (1778-1852), considerado o pai da
ginástica alemã, com a sua ginástica militar para vingar a afronta de
Napoleão, de ter derrotado o seu regimento em Iena, em 1806. Para o efeito
começa por suprimir o signo gymnastik,
substituindo-o pelo germânico Turnkunst[19], acentuando o carácter nacional, e
dando-lhe um cunho militar. No final do Império napoleónico, organizou uma
associação de ginástica, e criou um ginásio em 1810, apetrechado de cavalo de madeira para volteio e saltos, barra
fixa, paralelas, argolas. Devido ao pendor político orientado para a unificação
da Alemanha, criou conflitos de tal ordem que levou o governo a prendê-lo, e a
proibir a ginástica entre 1820 e 1840, e até proibir o signo Turnkunst,
reintroduzindo a gymnastik. Conseguiu no entanto que, em 1816, se construísse, em toda a Prússia, 116 ginásios.
2. O do sueco Henrik Ling (1776-1839), considerado o pai da ginástica educativa
pedagógica, médica e militar, com o seu sistema de ginástica sueca que, apesar
de nunca ter publicado nada sobre a
matéria, apenas algumas ideias e alguns preceitos verbais transmitidos aos seus
discípulos, gerou diversas querelas entre os intérpretes franceses e entre os
portugueses, e até entre franceses e portugueses. Criou igualmente o sistema de
massagem sueca, apreendido de um chinês que conheceu nas suas viagens ao
estrangeiro, aperfeiçoando-o e divulgando-o. Em 1813 criou o Instituto
Central de Ginástica de Estocolmo,
com alguns aparelhos (quadros, espaldares, trave, banco sueco) que a maioria dos
países europeus adoptaria. Em 1816
editou-se A Arte de Fazer Ginástica,
elaborado a partir das notas dos alunos e apoiantes do sistema sueco.
Daqui
resultou o ministro da guerra ter ordenado a construção do Ginásio Normal
Militar, em Paris, e, nomeado Amorós, em 04.11.1819, como director do mesmo, e
escolhido o local da sua instalação: a zona do antigo Château de Grenelle, na actual Place
Dupleix, entre as barreiras de Grenelle
e o Champs de Mars (ver planta do
local, abaixo), numa área de 50.000 m², cujo custo ascendeu a mais de um milhão
de francos, embora tenham sido os serviços militares a construírem todos os
aparelhos concebidos por Amorós, incluindo os utilizados por Clias (o triângulo), Ling (traves, quadros e
banco sueco) ou Jahn (paralelas, cavalo de arção, argolas), não porque os dele
não fossem suficientes – já excediam o que era possível – mas porque permitia
aos alunos disporem de uma grande variedade para evitar a monotonia, e que os
motivasse a conhecer e utilizar cada aparelho.
Triângulo de Clias Trave de Ling e paralelas de Jahn
▼
Planta do local
onde foi construído o Gymnase Normal Militaire et Civil,
entre as
barreiras de Grenelle e o Champs de Mars
Legendas: ▼
local onde foi construída, 70 anos depois, a Torre Eiffel,
entre o Champs
de Mars e o rio Sena, e inaugurada em 1889;
Traços a encarnado localizam as barreiras de Grenelle
E
para que as escolas não fossem esquecidas, o ministro do interior comunica, em
carta dirigida à Sociedade para a Instrução Elementar, datada de 15.03.1821,
que o governo tinha ordenado também a criação de um Ginásio Civil Normal, no
mesmo local do Ginásio Militar. Pelo trabalho desenvolvido por Amorós o ministro da guerra nomeou-o, em 1831,
Inspector dos Ginásios Regimentais para orientar as respectivas instalações,
pelo país. Além do seu ginásio particular, Amorós já tinha montado 7 ginásios
em Paris.
[17] A este propósito Miguel Artola, na sua obra, com
prefácio de Gregório Marañon, aborda o problema de Los Afrancesados, Ediciones Turner, Madrid, 1987, de onde saíram os
liberais “afrancesados” das Cortes de Cádiz que
consideraram a intervenção francesa como o fim das revoluções internas e
certa regulação na sociedade, para acabar com a anomia, e haveria apenas uma integração
cultural dos espanhóis na soberania galesa, e nunca uma integração política. No
consenso dos liberais, mesmo “afrancesados”, consideraram que lutar contra as
armas napoleónicas só traria a ruína para o país. Para comemorar o
Bicentenário da Guerra da Independência
de Espanha (1808-1914), a Editorial Alianza reeditou, em 2008, a 2.ª edição da
obra de Miguel Artola. Entretanto, a revista El Argonauta Español, no n.º 2, publicou um artigo de Gérard Dufour, Une ephemere revue afrancesada: El
Imparcial de Pedro Escala (Mars-août 1809), explicando o fracasso dos
afrancesados que utilizaram a imprensa para convencer os compatriotas a
aderirem à nova dinastia. Em Portugal, o
procedimento nesta matéria foi diferente. Na “Setembrizada” (por se ter
realizado em Setembro de 1809) foram presos ou exilados cerca de 50
cidadãos, magistrados, comércio,
militares, clero, profissões liberais, acusadas pelas forças britânicas de
colaborarem com os franceses. Reacções de acordo com o ambiente político
desenhado em Madrid e em Lisboa.
[18] Considerado o “Sinai do ensino universitário” por
cauda da implantação das universidades dos jesuítas na margem esquerda do Sena,
mesmo em frente das Île de la Cite e Île de Saint-Louis, na zona compreendida
entre a Tour d’Argent, Bd. Saint-Germain e
Bd du Palais.
[19] Turnkunst , deriva do francês “tournoi”,
o que lhe enfraqueceu o nacionalismo. Há um caso semelhante com o Comissário da
Saúde Pública, Semaschko, da então União Soviética que, em 1918, tomou decisão
idêntica ao suprimir os signos capitalistas (ginástica, educação física,
desporto), substituindo-os por Fiskultura
(cultura física) para também lhe dar um cunho nacionalista russo.
(Continua)
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