Na minha juventude, ao passar os
olhos pelo escaparate de uma livraria, deparei com uma revista espanhola de
Matemática que me chamou a atenção porque no índice, impresso na capa, o
primeiro artigo consistia na demonstração de que 1=2. Parecia publicidade mas
depressa verifiquei que a demonstração era validada por um erro introduzido
intencionalmente, o qual, ainda hoje, se pode verificar na demonstração de que 2=1.
Esta recordação foi avivada pela
leitura da segunda parte preambular do Decreto-Lei n.º 98/2011, de 21 de
Setembro, onde se pretende esclarecer e justificar as razões de chamar a terreiro
o complicado problema de dois em um (2=1),
isto é, gastar algum tempo com explicações que nos levam a nenhures, nem
necessitavam de ser abordadas, porque, o poder é a força que se destina a
encontrar soluções e dar respostas exequíveis aos verdadeiros problemas com que
a Juventude e o Desporto se defrontam, e não à exequibilidade de dois em um. Bastava
sublinhar, como na publicidade, que era mais barato para o Governo, isto é, que
se gastava menos, geminando os dois produtos – o humano (jovens) e o material
(desporto) – argumento banalizado pela política. Além de que, matematicamente,
“gastar menos aqui” significa irremediavelmente ”para gastar mais ali”, como
vem sendo norma secretamente escondida.
Há aqui um patente paralelismo repetitivo,
com os mesmos actores legisladores, pela similitude mental dos argumentos
aduzidos, convertendo a legiferação do direito desportivo, senão de todo o
direito, em cópias de cópias, à semelhança do que se passa com as regras legísticas
que, na sociologia do direito, nada mais são do que o núcleo da teoria da
norma, na sua génese. Nisso se adianta a prosa.
A história começa com a
publicação – daqui deriva o signo publicidade – do Decreto-Lei n.º 143/93, de 26 de Abril, que extermina a DGD, para criar um novo personagem, o INDESP (Instituto
do Desporto), cuja autonomia administrativa e financeira, implicou simultaneamente
a eliminação do Fundo de Fomento do Desporto (FFD).
Quem
se der ao trabalho de o consultar encontrará ínsitas as múltiplas alterações
que o tempo produziu, com os concomitantes prejuízos e algumas perturbações,
mais ao desenvolvimento desportivo, do que à orgânica desportiva, porque esta
satisfaz os desígnios políticos filtrados pelos normativistas e legalistas, mas
não os do desporto, se se considerar que o Direito Desportivo sem o feedback
positivo da massa crítica desportiva perde toda a eficácia. Mas aí a força está
toda no poder e na autoridade, não por conhecimento indiscutível da matéria,
mas por temor a efeitos desconhecidos, se a regulação for ajustada às necessidades
e desejos da massa crítica desportiva.
Ficará
por averiguar, para a história do Direito Desportivo Nacional, que um dia se
fará, se subjectivamente tais alterações, pela sua constância e persistência,
resultarão na classificação do desporto como um intruso indesejável, ou não
constituirão pequenos seixos para abrandar o sorvedouro financeiro que o
andamento acelerado do desporto exige, em total dissonância com o andamento do
Estado, feito de passos lentos e pesados, indecisos alguns, inúteis outros,
hesitando entre o banal e o costumeiro.
É assim que o normativo do INDESP começa a sofrer
muitas alterações, conforme se verifica na consulta ao sítio indicado acima
- D-L n.º 143/93, de 26.04 - até que,
pelo Decreto-lei 62/1997, de 26 de Março, se chega
à conclusão de que o normativo do INDESP integrava, uma vez mais:
“…um vastíssimo e
diversificado conjunto de serviços, veio a revelar-se uma estrutura pesada e burocrática,
insusceptível de assegurar uma gestão adequada de todas as suas componentes e
concentrando meios financeiros muito avultados, cuja optimização se veio
igualmente a revelar de difícil consecução. (…) [optando-se] pela autonomização de três módulos
distintos: um, o Complexo de Apoio às
Actividades Desportivas (CAAD), (…),
Centro de Estudos e Formação Desportiva
(CEFD), (…) e o Instituto Nacional do Desporto (IND)(…)
Isto para dizer que os três
módulos eram organismos dotados de personalidade jurídica e autonomia
administrativa, e financeira, funcionando sob a superintendência do membro do
Governo responsável pela área do desporto. Era um Desporto com três cabeças, exactamente
como o feroz cão Cérbero da mitologia grega.
Com o consuetudinário possidónio
argumento de que os dinheiros para o desporto se revelam sempre de difícil consecução, o Governo
encontrou a melhor e assertiva forma de comunicar e transmitir, muito
delicadamente, que precisa desses fundos para coisas mais importantes que a prática desportiva.
Mas o políticos são como as
mulheres, volta e meia gostam de mudar os móveis das casas, com trocas e
baldrocas para quebrar a monotonia do lar, e dar aparência de novo ao que é
consabidamente velho, mas o Direito Doméstico contempla e consagra este hábito.
O Direito Desportivo, dentro do seu campo, também se alimenta com os seus móveis,
designados de instrumentos jurídicos, os quais, quanto mais crescem, mais fazem
minguar o desporto, pelo seu enjaulamento.
Dito e feito. Chegados ao Decreto-Lein.º 96/2003, de 7 de Maio, novas mudanças e andanças se revelam para não
quebrar a rotina, e até na redacção preambular aparecem as repetições que
passam de geração política em geração política, ou de geração jurídica em
geração jurídica, como se verifica neste excerto, a propósito do Decreto-lei
62/1997, de 26 de Março:
“Porém, na prática, sucedeu que da
autonomização dos três organismos resultou uma clara dispersão e sobreposição
de atribuições e competências, com inerentes implicações financeiras
desnecessárias. Acresce uma evidente desarticulação
entre os mesmos, bem como uma marcada burocracia e consequente morosidade de
processos.
(…)
O objectivo prosseguido assenta não só numa diminuição significativa
dos encargos com pessoal dirigente e não dirigente, como também numa
diminuição significativa de encargos de funcionamento.”.
Procede-se, assim, à criação do Instituto do
Desporto de Portugal.”
Matematicamente verifica-se, uma
vez mais, a redução ou simplificação de órgãos que estão a mais, como eram os
três CAAD, CEFD,
IND, do Decreto-lei 62/1997,
ficando tudo amalgamado num IND, no Decreto-Lei n.º 96/2003. Uma vez mais as mudanças dos móveis jurídicos, com a redacção
motivadora de que, de ora em diante tudo… vai ficar na mesma, embora se diga o
contrário, porque os serviços voltam a multiplicar-se.
Matematicamente concluiu-se que
3=1, e como a moda é repetitiva, o actual Secretário de Estado da Juventude e Desporto
voltou a demonstrar que 2=1.
"Il est plus
facile de légaliser certaines choses que de les légitimer" (in
Maximes et Pensées).
As diferentes orgânicas têm servido para justificar capital de política desportiva sem de facto o autor se prejudicar pela nulidade praticada.
ResponderEliminarCaro João, a sua descrição é exemplar quando se nota que os protagonistas participam nos projectos uns dos outros com 1, com dois, com 3 organismos sem estabelecer o produto e o critério de decisão decisivo.
Sem o critério de decisão relacionado com o bem-estar e definido segundo critérios objectivos e quantificáveis pela comunidade desportiva em geral, a fusão e a criação de diferentes instituições tem resultados obscuros que a sociedade não descrutina e ignora.
A criação de instituições ou a sua fusão devem ser socialmente escrutináveis.
Na verdade o desporto e com o PSD em particular ao usar a eficiência (que não me parece económica)para fundir uma e outra vez o desporto a uma expressão cada vez menor faz o contrário da cultura e de outros sectores que vão complexificando as suas funções públicas e o seu apoio à respectiva iniciativa privada.
Pela parte do PS ao jurisdicionalizar a coisa desportiva tem um comportamento de simplismo equivalente e igualmente fatal.
A analogia matemática parece justamente aplicada a esta tradição bem nacional.