sábado, 24 de dezembro de 2011

7. Análise crítica e semântica do Decreto--Lei n.º 98/2011, de 21 de setembro


Na minha juventude, ao passar os olhos pelo escaparate de uma livraria, deparei com uma revista espanhola de Matemática que me chamou a atenção porque no índice, impresso na capa, o primeiro artigo consistia na demonstração de que 1=2. Parecia publicidade mas depressa verifiquei que a demonstração era validada por um erro introduzido intencionalmente, o qual, ainda hoje, se pode verificar na demonstração de que 2=1.


Esta recordação foi avivada pela leitura da segunda parte preambular do Decreto-Lei n.º 98/2011, de 21 de Setembro, onde se pretende esclarecer e justificar as razões de chamar a terreiro o complicado problema de dois em um (2=1), isto é, gastar algum tempo com explicações que nos levam a nenhures, nem necessitavam de ser abordadas, porque, o poder é a força que se destina a encontrar soluções e dar respostas exequíveis aos verdadeiros problemas com que a Juventude e o Desporto se defrontam, e não à exequibilidade de dois em um. Bastava sublinhar, como na publicidade, que era mais barato para o Governo, isto é, que se gastava menos, geminando os dois produtos – o humano (jovens) e o material (desporto) – argumento banalizado pela política. Além de que, matematicamente, “gastar menos aqui” significa irremediavelmente ”para gastar mais ali”, como vem sendo norma secretamente escondida.

Há aqui um patente paralelismo repetitivo, com os mesmos actores legisladores, pela similitude mental dos argumentos aduzidos, convertendo a legiferação do direito desportivo, senão de todo o direito, em cópias de cópias, à semelhança do que se passa com as regras legísticas que, na sociologia do direito, nada mais são do que o núcleo da teoria da norma, na sua génese. Nisso se adianta a prosa. 

A história começa com a publicação – daqui deriva o signo publicidade – do Decreto-Lei n.º 143/93, de 26 de Abril, que extermina a DGD,  para criar um novo personagem, o INDESP (Instituto do Desporto), cuja autonomia administrativa e financeira, implicou simultaneamente a eliminação do Fundo de Fomento do Desporto (FFD). 

 Quem se der ao trabalho de o consultar encontrará ínsitas as múltiplas alterações que o tempo produziu, com os concomitantes prejuízos e algumas perturbações, mais ao desenvolvimento desportivo, do que à orgânica desportiva, porque esta satisfaz os desígnios políticos filtrados pelos normativistas e legalistas, mas não os do desporto, se se considerar que o Direito Desportivo sem o feedback positivo da massa crítica desportiva perde toda a eficácia. Mas aí a força está toda no poder e na autoridade, não por conhecimento indiscutível da matéria, mas por temor a efeitos desconhecidos, se a regulação for ajustada às necessidades e desejos da massa crítica desportiva.

 Ficará por averiguar, para a história do Direito Desportivo Nacional, que um dia se fará, se subjectivamente tais alterações, pela sua constância e persistência, resultarão na classificação do desporto como um intruso indesejável, ou não constituirão pequenos seixos para abrandar o sorvedouro financeiro que o andamento acelerado do desporto exige, em total dissonância com o andamento do Estado, feito de passos lentos e pesados, indecisos alguns, inúteis outros, hesitando entre o banal e o costumeiro.

É assim que o normativo do INDESP começa a sofrer muitas alterações, conforme se verifica na consulta ao sítio indicado acima -  D-L n.º 143/93, de 26.04 - até que, pelo Decreto-lei 62/1997, de 26 de Março, se chega à conclusão de que o normativo do INDESP integrava, uma vez mais:

“…um vastíssimo e diversificado conjunto de serviços, veio a revelar-se uma estrutura pesada e burocrática, insusceptível de assegurar uma gestão adequada de todas as suas componentes e concentrando meios financeiros muito avultados, cuja optimização se veio igualmente a revelar de difícil consecução. (…) [optando-se] pela autonomização de três módulos distintos: um, o Complexo de Apoio às Actividades Desportivas (CAAD), (…), Centro de Estudos e Formação Desportiva (CEFD), (…) e o Instituto Nacional do Desporto (IND)(…)

 
Isto para dizer que os três módulos eram organismos dotados de personalidade jurídica e autonomia administrativa, e financeira, funcionando sob a superintendência do membro do Governo responsável pela área do desporto. Era um Desporto com três cabeças, exactamente como o feroz cão Cérbero da mitologia grega.

Com o consuetudinário possidónio argumento de que os dinheiros para o desporto se revelam sempre de difícil consecução, o Governo encontrou a melhor e assertiva forma de comunicar e transmitir, muito delicadamente, que precisa desses fundos para coisas mais importantes que a prática desportiva.

Mas o políticos são como as mulheres, volta e meia gostam de mudar os móveis das casas, com trocas e baldrocas para quebrar a monotonia do lar, e dar aparência de novo ao que é consabidamente velho, mas o Direito Doméstico contempla e consagra este hábito. O Direito Desportivo, dentro do seu campo, também se alimenta com os seus móveis, designados de instrumentos jurídicos, os quais, quanto mais crescem, mais fazem minguar o desporto, pelo seu enjaulamento.

Dito e feito. Chegados ao Decreto-Lein.º 96/2003, de 7 de Maio, novas mudanças e andanças se revelam para não quebrar a rotina, e até na redacção preambular aparecem as repetições que passam de geração política em geração política, ou de geração jurídica em geração jurídica, como se verifica neste excerto, a propósito do Decreto-lei 62/1997, de 26 de Março:

“Porém, na prática, sucedeu que da autonomização dos três organismos resultou uma clara dispersão e sobreposição de atribuições e competências, com inerentes implicações financeiras desnecessárias. Acresce uma evidente desarticulação entre os mesmos, bem como uma marcada burocracia e consequente morosidade de processos.
(…)
 O objectivo prosseguido assenta não só numa diminuição significativa dos encargos com pessoal dirigente e não dirigente, como também numa diminuição significativa de encargos de funcionamento.”.
Procede-se, assim, à criação do Instituto do Desporto de Portugal.”

Matematicamente verifica-se, uma vez mais, a redução ou simplificação de órgãos que estão a mais, como eram os três CAAD, CEFD, IND, do Decreto-lei 62/1997, ficando tudo amalgamado num IND, no Decreto-Lei n.º 96/2003. Uma vez mais as mudanças  dos móveis jurídicos, com a redacção motivadora de que, de ora em diante tudo… vai ficar na mesma, embora se diga o contrário, porque os serviços voltam a multiplicar-se.

Matematicamente concluiu-se que 3=1, e como a moda é repetitiva, o actual Secretário de Estado da Juventude e Desporto voltou a demonstrar que 2=1.

E, uma vez mais se consagra, a máxima de Chamfort:
"Il est plus facile de légaliser certaines choses que de les légitimer" (in  Maximes et Pensées).

1 comentário:

  1. As diferentes orgânicas têm servido para justificar capital de política desportiva sem de facto o autor se prejudicar pela nulidade praticada.

    Caro João, a sua descrição é exemplar quando se nota que os protagonistas participam nos projectos uns dos outros com 1, com dois, com 3 organismos sem estabelecer o produto e o critério de decisão decisivo.

    Sem o critério de decisão relacionado com o bem-estar e definido segundo critérios objectivos e quantificáveis pela comunidade desportiva em geral, a fusão e a criação de diferentes instituições tem resultados obscuros que a sociedade não descrutina e ignora.

    A criação de instituições ou a sua fusão devem ser socialmente escrutináveis.

    Na verdade o desporto e com o PSD em particular ao usar a eficiência (que não me parece económica)para fundir uma e outra vez o desporto a uma expressão cada vez menor faz o contrário da cultura e de outros sectores que vão complexificando as suas funções públicas e o seu apoio à respectiva iniciativa privada.

    Pela parte do PS ao jurisdicionalizar a coisa desportiva tem um comportamento de simplismo equivalente e igualmente fatal.

    A analogia matemática parece justamente aplicada a esta tradição bem nacional.

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