Embora seja ponderada a poesia de
um dos heterónimos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, quando refere que
Uns, com os olhos postos no
passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
(Odes, Lisboa, Ática, 1981)
dará para reflectir se valerá a
pena arriscar a reconstrução da história passada, até chegarmos à lei orgânica
do actual Instituto Português do
Desporto e Juventude, tão longa é a sua caminhada, desde a construção
estrutural do desporto em 1943, dadas as dificuldades levantadas pela distância
e consumidas pelo tempo, respeitando a ética que deve presidir à sua
interpretação.
Se bem que olhar para o passado é
como ver uma realidade esfumada pelo tempo, dada a sua inexistência no
presente; e que olhar para o futuro é ver imagens inventadas, restaria, di-lo,
Ricardo Reis, falar da única realidade concreta que seria o presente. Posto
este considerando estaríamos a criar uma construção enganosa da vida do Direito
Desportivo, partindo de um passado morto para chegar a um futuro incerto.
O problema é que a realidade
concreta do presente não vive isolada, pois representa o ponto de chegada de
uma longa caminhada de 70 anos, realizada aos saltos, de ideologia em
ideologia, com legislaturas ora completas, ora encurtadas, o que lhe quebra e
coarcta uma linha contínua ascendente e progressiva. Consequentemente, cada
legislatura acaba por constituir-se como um novo ponto de partida para a sua
prossecução, não esquecendo o trabalho herdado, como se tudo pretendesse recomeçasse
do zero, perante o império da nova ideologia que os votos pontuaram. Acontece,
porém, que tudo se repete, como se a reinvenção ou a renovação do Direito fosse
proibida.
Como assevera Marc Bloch deve
procurar-se tanto a compreensão do passado pelo presente, como a do presente
pelo passado, donde uma interpretação de duplo sentido. Mas, se em 17
legislaturas apenas quatro governos almejaram (ver Quadro abaixo) cumprir os
respectivos mandatos, a verdade é que, esses tempos quaternos, obnubilam e
encurtam o tempo do entendimento, ao qual se sobrepõe a celeridade de revelar o
óbvio que a expectativa do desporto aguarda, enquanto o poder se debruça na
formulação, alteração, dimensão, inovação, denominação ou recriação de
Ministérios, de acordo com os titulares e os recursos humanos disponíveis. Que
dizer então dos restantes 13 governos minoritários cujas legislaturas duraram
entre 2 meses e meio e 2 anos e meio ?
Se o ciclo político de quatro
anos constitui um trabalho inglório e ciclópico para quem se vai dispor a
governar na curta duração, que dizer das legislaturas encurtadas pelo tempo, a
que Braudel designa de “temps bref… de souffle court”, e, se mais curta, François
Simiand redu-la a uma simples “histoire événementielle”. Muito embora a Escola
de Cambridge considere o período curto uma radicalização inválida, apoiada na
tese de que tanto o Estado como a própria ideia de Estado ainda se configuram
emergentes, mantemos a periodização de Braudel, como mais elucidativa para a
interpretação das oscilações temporais dos diversos Governos, com os
respectivos reflexos na massa crítica desportiva.
Seria interessante – a
verificar-se – o estudo da desnacionalização da autoridade política dos países
comunitários, a partir do actual XIX Governo Constitucional, pelos sinais
inequívocos de proposições de alguma perda de soberania, ou para resolver a
crise passageira, ou para passar a autoridade política dos países comunitários para
um futuro poder central alemão.
Por ora, e pela temporalidade dos
partidos no poder, se verifica a sua irregularidade, entre o mínimo de 2 meses
e o máximo de quatro anos, estes apenas quatro vezes, o que representa, em 18
governos, a percentagem de 22%, em 36 anos de democracia, o que revela alguma
dificuldade no cumprimento das legislaturas:
Quadro – Tempo
de participação dos Partidos nas respectivas Legislaturas
|
Legislatura
|
Governo
|
Anos
|
Partidos
|
Votos
%
|
Absten
%
|
Anos
|
Meses
|
Sema-
nas
|
I
|
I
|
1976-78
|
PS
|
34,8
|
16,5
|
1
|
6
|
2
|
I
|
II
|
1978
|
PS+CDS (a)
|
34,8
|
16,5
|
..
|
7
|
..
|
I
|
III
|
1978
|
Nomeação
Presidencial *
|
..
|
..
|
..
|
2
|
3
|
I
|
IV
|
1978-79
|
PSD **
|
..
|
..
|
..
|
5
|
3
|
I
|
V
|
1979-80
|
Nomeação
Presidencial ***
|
..
|
..
|
..
|
4
|
2
|
I
|
VI
|
1980-81
|
AD (b) (1b)
|
44,9
|
16,1
|
..
|
11
|
..
|
II
|
VII
|
1981
|
AD
(2b)
|
47,6
|
..
|
..
|
10
|
1
|
II
|
VIII
|
1981-83
|
AD
(3b)
|
..
|
..
|
2
|
9
|
1
|
III
|
IX
|
1983-85
|
PS+CDS (c)
|
36,1
|
22,2
|
2
|
5
|
..
|
IV
|
X
|
1985-87
|
PSD
|
29,8
|
25,8
|
1
|
9
|
1
|
V
|
XI
|
1987-91
|
PSD
|
50,2
|
28,4
|
4
|
2
|
2
|
VI
|
XII
|
1991-95
|
PSD
|
50,6
|
32,2
|
4
|
..
|
..
|
VII
|
XIII
|
1995-99
|
PS
|
43,7
|
33,7
|
4
|
..
|
..
|
VIII
|
XIV
|
1999-02
|
PS
|
44,1
|
38,9
|
2
|
5
|
2
|
IX
|
XV
|
2002-04
|
PSD+CDS (d)
|
40,2
|
38,5
|
2
|
3
|
2
|
IX
|
XVI
|
2004-05
|
PSD+CDS (e)
|
..
|
..
|
..
|
8
|
..
|
X
|
XVII
|
2005-09
|
PS
|
45,0
|
35,7
|
4
|
7
|
2
|
XI
|
XVIII
|
2009-11
|
PS
|
36.6
|
40,3
|
1
|
5
|
..
|
XII
|
XIX
|
2011-
|
PSD+CDS (f)
|
38,6
|
41,97
|
Legendas:
Governos minoritários
Governos maioritários
Governos
maioritários pós-coligação
|
(a)
Coligação pós-eleitoral (34,89+15,98)
* Eng.º
Alfredo Nobre da Costa
** Iniciativa Presidencial
*** Eng.ª
Maria de Lurdes Pintassilgo
(b)
Coligação pré-eleitoral conhecida por Aliança Democrática (AD), presidida por
(1b) Sá Carneiro;
(2b) Pinto Balsemão; eleições ganhas em
05.10.80, mas tomada de posse só em Janeiro de 1981, por causa da eleição presidencial em
07.12.80, e ser o novo Presidente a dá-la
(3b)
Pinto Balsemão.
(c)
Coligação pós-eleitoral (36,11+12,56)
(d))
Durão Barroso, coligação pós-eleitoral (40,21+8,72)
(e)
Santana Lopes, em virtude da demissão de Durão Barroso
(f)
Coligação pós-eleitoral (38,66+11,71 )
|
Verifica-se, pelo Quadro e pelo
Gráfico 1, que os dez primeiros governos tiveram grandes dificuldades em
cumprir o período do mandato da Legislatura de 4 anos, facto que só se verifica
4 vezes: duas, nos XI e XII Governos PSD; e duas em coligações pós-eleitorais
para haver maioria parlamentar, nos II e XIX governos, respectivamente, PS+CDS e PSD+CDS.
Os Governos III e V de nomeação
presidencial do Gen. Ramalho Eanes, foram os de mais curta duração,
respectivamente de 2 e de 5 meses, como resultado da oposição dos partidos
contra a sua marginalização.
Gráfico 1 - Tempo
de duração, em dias, dos Governos Constitucionais
|
Legenda das cores partidárias dos
Governos Constitucionais
PS I,
XIII, XIV, XVII, XVIII
|
||||||
PSD IV,
X, XI, XII
|
||||||
CDS
|
||||||
PPM
|
||||||
Nobre da Costa III
|
||||||
Lurdes Pintassilgo V
|
||||||
=
|
PS+CDS II, IX
|
|||||
=
|
PSD+CDS+PPM VI, VII, VIII
|
|||||
=
|
PSD+CDS XV, XVI, XIX
|
Pela Mediana verifica-se que 50% dos governos teve um tempo de legislatura menor que a mediana (593 dias) e, os outros 50% teve um tempo maior que a mediana. A Média, 701, tem um valor muito diferente devido aos valores extremos da amostra, entre o maior (1684 dias), e o menor (81).
A perda de credibilidade na
governação e na classe política revela-se com maior clareza no Gráfico 2 pelo
crescimento da curva da percentagem das abstenções nas eleições legislativas e
descida da dos votos para as legislativas entre 1991 e 2009.
Gráfico 2
- Evolução comparada da percentagem
dos votos nas legislativas e nas
abstenções
|
Fonte: Comissão Nacional de
Eleições
De entre as razões justificativas
para este quadro de suspeição, algumas se ponderam:
- Transposição brusca do Estado Novo para um Estado Democrático desconhecido, e cujas regras foram mal “interpretadas” na rua, com assaltos às sedes dos partidos, bombas, e perseguições. No MFA os desentendimentos eram acentuados.
- As nacionalizações dos sectores básicos da economia, os saneamentos levaram à emigração de cerca de “10.000 refugiados políticos”, a Comissão Coordenadora do MFA punha no mesmo saco dos saneamentos tanto os “comprometidos com o regime fascista” como os que, “por não acompanharem o processo revolucionário, o obstruam” (a), exactamente como se fazia na Monarquia Constitucional, na instituição da República, no Estado Novo, e agora no Estado Democrático.
(a) Rui Ramos, História de Portugal
3. O ostracismo e a emigração eram moeda
corrente, como no Estado Novo, e
continuam no Estado recém-democrático, porque os hábitos não se perdem,
mantêm-se, mesmo ao fim de 37 anos de Estado de Direito (?), e transformaram-se
em convites ao voluntariado da juventude para seguirem a tradição.
4. Dificuldades
de entendimento entre os novos actores do poder compaginadas com a nomeação de
militares – exceptuando o primeiro que era civil – para presidirem aos Governos Provisórios pós-25 de
Abril, e cujas legislaturas transmitiam insegurança, pela duração e pelas
constantes mudanças, sem resultados credíveis de confiança no poder.
Governos Provisórios
|
Governo
|
1º Ministro
|
Posse
|
Exoneração
|
Tempo
|
I
|
Adelino da Palma Carlos
|
15.05.1974
|
17.07.1974
|
2 meses
|
II
|
Vasco dos Santos Gonçalves
|
17.07.1974
|
30.09.1974
|
1 mês e meio
|
III
|
Vasco dos Santos Gonçalves
|
30.09.1974
|
26.03.1975
|
5 meses
|
IV
|
Vasco dos Santos Gonçalves
|
26.03.1975
|
08.08.1975
|
4 meses
|
V
|
Vasco dos Santos Gonçalves
|
08.08.1975
|
12.09.1975
|
2 meses
|
VI
|
José B. Pinheiro de Azevedo
|
19.09.1975
|
22.07.1976
|
10 meses
|
- Os Governos Provisórios, assumidos pelos actores e participantes deste quadro, acrescidos com os dos Governos Constitucionais, e a sociedade civil como testemunha das turbulências políticas, acabaram por se ressentirem das vivências passadas que, se contribuíram para obnubilar e esquecer o passado do Estado Novo – o que é pouco –, verificavam que os novos valores democráticos não se afirmavam, e que a distância entre pobres e ricos aumentavam até ao seu apogeu em 2011.
- Passada a fronteira entre um país provinciano rural para um país de carácter democrático, não se afigura fácil a metamorfose das sociedades civil e militar, impregnadas do pó e da vivência provinciana rural, libertar a mente de habitus enraizado e inculcado em quase meio século de ditadura.
- Os retratos dos políticos desenhados por Ramalho e Eça de Queiroz mantêm-se actualizados no mundo de hoje, e não necessitam de retoques. Mantêm a fidelidade do seu tempo
- Muitos passaram a fronteira e transmitiram essa ruralidade provinciana aos filhos.
Foi debaixo deste quadro dantesco
que o Desporto tem vivido, e se tem desenvolvido desde o 25 de Abril, e não se
afigura difícil entender agora, chegados ao Secretário de Estado da Juventude e
Desporto do XIX Governo Constitucional, como se constrói uma descida brusca do
Desporto até ao nada.
Veremos então como foi tratada a
Juventude e o Desporto ao longo de XVIII Governos Constitucionais, e o que se pode
esperar do XIX.
____________________
Fontes:
Análise Social, passim
Comissão Nacional de Eleições
Governo de Portugal. Arquivo
histórico.
História de Portugal, de Rui Ramos
Sem comentários:
Enviar um comentário