quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

8. Análise crítica e semântica do Decreto-Lei n.º 98/2011, de 21 de setembro

 
Embora seja ponderada a poesia de um dos heterónimos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, quando refere que

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem;  outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
 (Odes, Lisboa, Ática, 1981)

dará para reflectir se valerá a pena arriscar a reconstrução da história passada, até chegarmos à lei orgânica do actual Instituto Português do Desporto e Juventude, tão longa é a sua caminhada, desde a construção estrutural do desporto em 1943, dadas as dificuldades levantadas pela distância e consumidas pelo tempo, respeitando a ética que deve presidir à sua interpretação.

Se bem que olhar para o passado é como ver uma realidade esfumada pelo tempo, dada a sua inexistência no presente; e que olhar para o futuro é ver imagens inventadas, restaria, di-lo, Ricardo Reis, falar da única realidade concreta que seria o presente. Posto este considerando estaríamos a criar uma construção enganosa da vida do Direito Desportivo, partindo de um passado morto para chegar a um futuro incerto.

O problema é que a realidade concreta do presente não vive isolada, pois representa o ponto de chegada de uma longa caminhada de 70 anos, realizada aos saltos, de ideologia em ideologia, com legislaturas ora completas, ora encurtadas, o que lhe quebra e coarcta uma linha contínua ascendente e progressiva. Consequentemente, cada legislatura acaba por constituir-se como um novo ponto de partida para a sua prossecução, não esquecendo o trabalho herdado, como se tudo pretendesse recomeçasse do zero, perante o império da nova ideologia que os votos pontuaram. Acontece, porém, que tudo se repete, como se a reinvenção ou a renovação do Direito fosse proibida.

Como assevera Marc Bloch deve procurar-se tanto a compreensão do passado pelo presente, como a do presente pelo passado, donde uma interpretação de duplo sentido. Mas, se em 17 legislaturas apenas quatro governos almejaram (ver Quadro abaixo) cumprir os respectivos mandatos, a verdade é que, esses tempos quaternos, obnubilam e encurtam o tempo do entendimento, ao qual se sobrepõe a celeridade de revelar o óbvio que a expectativa do desporto aguarda, enquanto o poder se debruça na formulação, alteração, dimensão, inovação, denominação ou recriação de Ministérios, de acordo com os titulares e os recursos humanos disponíveis. Que dizer então dos restantes 13 governos minoritários cujas legislaturas duraram entre 2 meses e meio e 2 anos e meio ?

Se o ciclo político de quatro anos constitui um trabalho inglório e ciclópico para quem se vai dispor a governar na curta duração, que dizer das legislaturas encurtadas pelo tempo, a que Braudel designa de “temps bref… de souffle court”, e, se mais curta, François Simiand redu-la a uma simples “histoire événementielle”. Muito embora a Escola de Cambridge considere o período curto uma radicalização inválida, apoiada na tese de que tanto o Estado como a própria ideia de Estado ainda se configuram emergentes, mantemos a periodização de Braudel, como mais elucidativa para a interpretação das oscilações temporais dos diversos Governos, com os respectivos reflexos na massa crítica desportiva.

Seria interessante – a verificar-se – o estudo da desnacionalização da autoridade política dos países comunitários, a partir do actual XIX Governo Constitucional, pelos sinais inequívocos de proposições de alguma perda de soberania, ou para resolver a crise passageira, ou para passar a autoridade política dos países comunitários para um futuro poder central alemão.

Por ora, e pela temporalidade dos partidos no poder, se verifica a sua irregularidade, entre o mínimo de 2 meses e o máximo de quatro anos, estes apenas quatro vezes, o que representa, em 18 governos, a percentagem de 22%, em 36 anos de democracia, o que revela alguma dificuldade no cumprimento das legislaturas:

Quadro – Tempo de participação dos Partidos nas respectivas Legislaturas


Legislatura
Governo
Anos
Partidos
Votos
%
Absten
%
Anos
Meses
Sema-
nas
I
I
1976-78
PS
34,8
16,5
1
  6
2
I
II
1978
PS+CDS            (a)
34,8
16,5
..
  7
.. 
I
III
1978
Nomeação Presidencial *
..
..
..
  2
3
I
IV
1978-79
PSD                             **
..
..
..
  5
3
I
V
1979-80
Nomeação Presidencial *** 
..
..
..
  4
2
I
VI
1980-81
AD                    (b)        (1b)
44,9
16,1
..
11
..
II
VII
1981
AD                                (2b)
47,6
..
..
  10
1
II
VIII
1981-83
AD                               (3b)
..
..
2
  9
1
III
IX
1983-85
PS+CDS           (c)
36,1
22,2
2
  5
..
IV
X
1985-87
PSD
29,8
25,8
1
  9
1
V
XI
1987-91
PSD
50,2
28,4
4
  2 
2
VI
XII
1991-95
PSD
50,6
32,2
4
  ..
..
VII
XIII
1995-99
PS
43,7
33,7
4
  ..
..
VIII
XIV
1999-02
PS
44,1
38,9
2
  5
2
IX
XV
2002-04
PSD+CDS        (d)
40,2
38,5
2
  3
2
IX
XVI
2004-05
PSD+CDS        (e)
..
..
..
  8
..
X
XVII
2005-09
PS
45,0
35,7
4
  7
2
XI
XVIII
2009-11
PS
36.6
40,3
1
  5
..
XII
XIX
2011-
PSD+CDS        (f)
38,6
41,97







Legendas: Governos minoritários
       Governos maioritários
       Governos maioritários pós-coligação

(a) Coligação pós-eleitoral (34,89+15,98)
*      Eng.º Alfredo Nobre da Costa
**    Iniciativa Presidencial
***  Eng.ª Maria de Lurdes Pintassilgo
(b) Coligação pré-eleitoral conhecida por Aliança Democrática (AD), presidida por
      (1b) Sá Carneiro;
      (2b) Pinto Balsemão; eleições ganhas em 05.10.80, mas tomada de posse só em Janeiro de 1981, por causa da eleição presidencial em 07.12.80, e ser o novo Presidente a dá-la
      (3b) Pinto Balsemão.
(c) Coligação pós-eleitoral (36,11+12,56)
(d)) Durão Barroso, coligação pós-eleitoral (40,21+8,72)
(e) Santana Lopes, em virtude da demissão de Durão Barroso
(f) Coligação pós-eleitoral (38,66+11,71 )


Verifica-se, pelo Quadro e pelo Gráfico 1, que os dez primeiros governos tiveram grandes dificuldades em cumprir o período do mandato da Legislatura de 4 anos, facto que só se verifica 4 vezes: duas, nos XI e XII Governos PSD; e duas em coligações pós-eleitorais para haver maioria parlamentar, nos II e XIX governos, respectivamente, PS+CDSPSD+CDS. 

Os Governos III e V de nomeação presidencial do Gen. Ramalho Eanes, foram os de mais curta duração, respectivamente de 2 e de 5 meses, como resultado da oposição dos partidos contra a sua marginalização.

Gráfico   1 -  Tempo de duração, em dias, dos Governos Constitucionais


Legenda das cores partidárias dos Governos Constitucionais







PS          I, XIII, XIV, XVII, XVIII













PSD                         IV,  X, XI, XII













CDS













PPM













Nobre da Costa                          III













Lurdes Pintassilgo                       V








=




PS+CDS                                 II, IX








=




PSD+CDS+PPM        VI, VII, VIII








=




PSD+CDS               XV, XVI, XIX


Pela Mediana verifica-se que 50% dos governos teve um tempo de legislatura menor que a mediana (593 dias) e, os outros 50% teve um tempo maior que a mediana. A Média, 701, tem um valor muito diferente devido aos valores extremos da amostra, entre o maior (1684 dias), e o menor (81).

A perda de credibilidade na governação e na classe política revela-se com maior clareza no Gráfico 2 pelo crescimento da curva da percentagem das abstenções nas eleições legislativas e descida da dos votos para as legislativas entre 1991 e 2009.


Gráfico 2 -  Evolução comparada da percentagem dos votos nas legislativas e  nas abstenções



              Fonte: Comissão Nacional de Eleições           


De entre as razões justificativas para este quadro de suspeição, algumas se ponderam:

  1. Transposição brusca do Estado Novo para um Estado Democrático desconhecido, e cujas regras foram mal “interpretadas” na rua, com assaltos às sedes dos partidos, bombas, e perseguições. No MFA os desentendimentos eram acentuados.

  1. As nacionalizações dos sectores básicos da economia, os saneamentos levaram à  emigração de cerca de “10.000 refugiados políticos”, a Comissão Coordenadora do MFA punha no mesmo saco dos saneamentos tanto os “comprometidos com o regime fascista” como os que, “por não acompanharem o processo revolucionário, o obstruam” (a), exactamente como se fazia na Monarquia Constitucional, na instituição da República, no Estado Novo, e agora no Estado Democrático.
(a)     Rui Ramos, História de Portugal

     3.  O ostracismo e a emigração eram moeda corrente, como no Estado Novo, e           continuam no Estado recém-democrático, porque os hábitos não se perdem, mantêm-se, mesmo ao fim de 37 anos de Estado de Direito (?), e transformaram-se em convites ao voluntariado da juventude para seguirem a tradição.

4.      Dificuldades de entendimento entre os novos actores do poder compaginadas com a nomeação de militares – exceptuando o primeiro que era civil – para  presidirem aos Governos Provisórios pós-25 de Abril, e cujas legislaturas transmitiam insegurança, pela duração e pelas constantes mudanças, sem resultados credíveis de confiança no poder.


Governos     Provisórios

Governo
1º Ministro
Posse
Exoneração
Tempo
I
Adelino da Palma Carlos
15.05.1974
17.07.1974
2 meses
II
Vasco dos Santos Gonçalves
17.07.1974
30.09.1974
1 mês e meio
III
Vasco dos Santos Gonçalves
30.09.1974
26.03.1975
5 meses
IV
Vasco dos Santos Gonçalves
26.03.1975
08.08.1975
4 meses
V
Vasco dos Santos Gonçalves
08.08.1975
12.09.1975
2 meses
VI
José B. Pinheiro de Azevedo
19.09.1975
22.07.1976
10 meses


  1. Os  Governos Provisórios, assumidos pelos actores e participantes deste quadro, acrescidos com os dos Governos Constitucionais, e a sociedade civil como testemunha das turbulências políticas, acabaram por se ressentirem das vivências passadas que, se contribuíram para obnubilar e esquecer o passado do Estado Novo – o que é pouco –, verificavam que os novos valores democráticos não se afirmavam, e que a distância entre pobres e ricos aumentavam até ao seu apogeu em 2011.

  1. Passada a fronteira entre um país provinciano rural para um país de carácter             democrático, não se afigura fácil a metamorfose das sociedades civil e militar, impregnadas do pó e da vivência provinciana rural, libertar a mente de habitus enraizado e inculcado em quase meio século de ditadura.

  1. Os retratos dos políticos desenhados por Ramalho e Eça de Queiroz mantêm-se actualizados no mundo de hoje, e não necessitam de retoques. Mantêm a fidelidade do seu tempo

  1. Muitos passaram a fronteira e transmitiram essa ruralidade provinciana aos filhos.


Foi debaixo deste quadro dantesco que o Desporto tem vivido, e se tem desenvolvido desde o 25 de Abril, e não se afigura difícil entender agora, chegados ao Secretário de Estado da Juventude e Desporto do XIX Governo Constitucional, como se constrói uma descida brusca do Desporto até ao nada.

Veremos então como foi tratada a Juventude e o Desporto ao longo de XVIII Governos Constitucionais, e o que se pode esperar do XIX.
                         
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Fontes: Análise Social, passim
                Comissão Nacional de Eleições
             Governo de Portugal. Arquivo histórico.
             História de Portugal, de Rui Ramos







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