terça-feira, 6 de março de 2012

O nosso bom Gaspar

Artigo saído hoje no jornal Público:

"A prazo veremos se temos um Rei e uma magnificente comitiva que corrige com elegância e saber-fazer os erros que acumulámos desde os idos de noventa ou uma solução pró-apocaliptica. Espero que com acertos as coisas corram pelo menor dos males e o nosso bom Gaspar seja recordado por coisas boas. Há muito stress. As coisas que os bons barões e boys do nosso bom Gaspar dizem são que a administração pública nacional é incompetente, que as suas boas medidas vão impulsionar a economia num determinado momento para cima não se sabe quando, que neste quadro a juventude deve emigrar, que os funcionários públicos ‘que estejam mal que se mudem’, tiram feriados e o carnaval para a sua coerência ‘durona’, acusam tudo e todos de ‘piegas’, sem demonstração da utilidade económica e sustentação moral esmagam pensões e benefícios sociais dos carenciados, nas múltiplas pensões milionárias que sobrecarregam a segurança social e que, sacrossantas, nenhum bom barão ou boy toca, nem nos ínfimos anos de trabalho dos deputados (a ‘Geração de Ouro’ da política portuguesa poderia explicar muito devagarinho como faz o nosso bom Gaspar o sentido da moral democrática e republicana!).


Vejamos uma história. Depois de duas ocorrências com uma indisposição forte no peito, costas e dois braços, com cinco dias de intervalo, marquei sexta-feira uma consulta de cardiologia para daí a oito dias. Logo no sábado, após o início da terceira ocorrência ligou-se para o 112, cerca das 15 horas. Do 112 mandam sentar-me. Chegam primeiro os bombeiros, às 15,15, confirmam a ocorrência e apressam a equipa médica do INEM. Pouco depois chega a jovem doutora e um enfermeiro. A jovem doutora assume a direcção e pergunta o que tenho, manda ligar-me às máquinas de onde começam a sair listagens e a jovem doutora dispara diagnósticos, ocorrências ao momento, números, siglas, centímetros cúbicos, comprimidos e partes de comprimidos (apenas me lembro dos dois miligramas de morfina) e tanto a sua equipa como a dos bombeiros cumprem tarefas, ela tipifica a ocorrência e o que fazer, corrige, insiste e retoma o telefone acentua a urgência de actuação em Santa Cruz não São Francisco, insiste uma, duas, ene vezes até que, no caminho a ambulância tem autorização para St. Cruz. Resolve uma paragem cardíaca, está atenta à condução da ambulância aconselhando calma e o caminho como avisa o hospital do que se passa e me apoia ‘fique comigo, fique comigo’. Entrei para o bloco operatório de Sta. Cruz iniciando-se a operação. As enfermeiras e os médicos explicaram passo a passo a operação do cateterismo da artéria coronária e quando às 17,30 depois da operação sou levado para o quarto apercebo-me que a equipa da cirurgia tinha trabalhado desde as 8 da manhã e eventualmente não haveria disponibilidade quando foi insistentemente pedida pela jovem doutora. Esse um dos méritos da sua performance. Não fiquei a conhecer a jovem doutora que me assistiu, nem as dezenas de pessoas que trataram de mim, e apenas posso elogiá-la nas palavras do cirurgião que disse que ‘os danos seriam maiores caso todos os procedimentos não tivessem decorrido com correcção desde início’.

Será de repudiar todo o modelo económico e social do ciclo vicioso imposto às famílias portugueses que replicam de geração em geração a miséria e que agora afectam 40% da população com o esboroar das condições básicas de vida e sem usufruir a saúde, educação, cultura e desporto (uma coisa não deveria impedir a outra) benefícios esses que os portugueses fluentes se prazenteiam religiosamente e pagos ‘por todos nós’.

Acredito na jovem doutora e certamente em milhares de outros jovens como uma dádiva vital, silenciosa, presente, amiga, instantânea e sem limites, sem um cêntimo de retribuição mais, que cala bem fundo na alma portuguesa e em todos aqueles que constituem cadeias de informação técnica e especializada correcta do Sistema Nacional de Saúde, do INEM e do Hospital de Sta. Cruz que acompanhou todo um trajecto desde minha casa, à ambulância, ao hospital e dentro do hospital de e para a sala de operações.

Outros sinais já mo tinham demonstrado mas senti na pele que Portugal tem ou pode ter níveis de excelência universais entre os melhores do mundo onde menos se espera ‘cá dentro e lá fora’ e, por isso, em todas as áreas da modernidade através da sua juventude incansável, pujante e exuberante. Exuberante porque é divertida, surpreende, encanta, tem swing, sabe estar, tem ‘chá’ e empatia natas...

Potenciá-la é a tremenda responsabilidade da minha geração, que tanto se tem esforçado para a perder e já teve o mérito de levar o país à falência, sem culpa própria...

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