Publicado em 03.11.2012 no De Rerum Natura
Pela leitura da tese de Centazzi, dedicada, entre
outros, e com o destaque que se afigura muito significativo, a Monsieur le Colonel Amorós, Directeur du
Gymnase normal civil et militaire de Paris, autor de dois volumes do Manuel d’éducation physique, gymnastique et
morale, cujas 1.ª edições datam de 1830, o l.º tomo, com 500 pp,., e o 2.º
tomo, com 530 pp., acompanhados de um Atlas
auxiliar com 50 pranchas de desenhos, dos quais, 16 alusivos a aparelhos de
ginástica, e 34 pranchas com figuras
humanas executando os exercícios, com perto de cinco reedições pela mesma editora,
À la Librairie Encyclopédie de RORET,
Paris[11]. Estranhamente
estas referências nunca são citadas por Centazzi, quando estão totalmente
ligadas ao autor – são inseparáveis
Reprodução das capa do Vol. 1, edição de 1847, à esquerda, e do Vol. 2, edição de 1848, à direita, únicas
acessíveis. As medidas dos dois exemplares são idênticas: 11 mm x 15 mm.
Seria provável, pelas referências
a Amorós e pelos elogios circunstanciais que Centazzi lhe teceu, que alguma
empatia se teria operado pelo facto de o espanhol, de seu nome completo Don Francisco Amorós y Ondeano, marquês de
Sotelo, natural de Valência, ter passado pela mesma experiência política e
social de Centazzi. Pelo contrário, é omisso nos contactos, tanto na tese como
na autobiografia[12], notando-se algum
distanciamento, em contraste com a gratidão, ainda que modesta, além de uma
síntese da obra amorosiana desenvolvida, ínsitas na tese, e referência elogiosa
a dois casos clínicos resolvidos com a ginástica dita agora como a francesa, mas insertos em revistas médicas
que acaba por citar, suscitando dúvidas sobre a obtenção dos dados, se, pela
fonte pessoal Amorós, se pela fonte revistas médicas. Pelos dados omitidos,
a fonte documental terá sido a opção, o que se deduz por nunca referir qualquer
contacto pessoal.
Será tanto mais estranho e incompreensível
se se considerar que, ao publicar em Lisboa, em 1836, com o título Considerações gerais sobre os exercícios ginásticos, e as vantagens que
deles resultam, ensaio lido e dedicado à Sociedade das Ciências Médicas de
Lisboa pelo seu sócio G. Centazzi, Doutor em Medicina[13] (Typ. de A.S.Coelho e C.ª), poderia ter
alargado os considerandos sobre a figura e os trabalhos de Amorós nos Ginásios,
aos quais o livre acesso era permitido, ampliando assim os conhecimentos e saberes
adquiridos junto do pai da Ginástica Francesa, já que, adoptada da tese de 18
páginas, a nova versão mereceria mais do que as 32 páginas com que saiu do prelo,
e melhorada minimamente no conteúdo.
(185 mm x 230 mm)
Capa do manuscrito de Centazzi oferecido
à
Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa
Aliada à ausência de bibliografia – poderia ter citado as três
referências muito bem organizadas e concatenadas por Amorós, cujo
desconhecimento ou desinteresse se estranha – e à simples narração histórica desde gregos e romanos, mal chegando
a Amorós, os limites em que a obra de Centazzi se desenvolve mantêm-se,
transmitindo mais a pressa em publicá-la do que dar a conhecer em concreto
todos os passos para que as opera da
ginástica fossem eficazes. Em vez de realçar os trabalhos desenvolvidos pelo
Coronel espanhol, em Paris, limitou-se a reproduzir o que a Europa sabia
minimamente:
Foi o Coronel
que tentou há alguns anos introduzir a Ginástica na Espanha, e de proclamar
altamente as vantagens que dela resultam; chegou mesmo a começar um Ginásio,
quando a guerra veio por desgraça
destruir os seus trabalhos: este acontecimento decidiu o Coronel Amorós
de se retirar para França, e ir fundar em Paris o seu estabelecimento, cujas
vantagens geralmente conhecidas hoje, deram motivo à fundação de Ginásios
secundários em quase todas as Cidades daquele Reino. O Governo Português
pareceu estranhar que no nosso país não houvesse ainda estabelecimento algum
desta ordem, e para isso pediu ao Coronel Amorós em 1834 de lhe enviar alguma
pessoa capaz para formar um Ginásio em Lisboa, o que este fez enviando-lhe Mr.
Marquer, Oficial do Exército Francês de conhecida capacidade e merecimento
A este propósito, Diem, no capítulo relativo à história do desporto em
Portugal, sem referir a fonte, dá outra versão: “Recordemos que Amorós estuvo
algún tiempo de servicio en Portugal y probablemente ejerció alguna influencia”[14]. Este facto nunca foi comprovado,
muito embora Amorós, após a abdicação de Carlos V, em 1802, a favor de Joseph,
irmão de Napoleão, “tenha sido nomeado chefe da polícia em Portugal”, como
esclarece Diem[15], o que também não
parece plausível, porque tal presença, pela figura de que se tratava, não
passaria desapercebida em Portugal. De resto importa acrescentar que a primeira
invasão francesa em Portugal acabou com a rendição de Junot – assinatura da Convenção de Sintra – em
20.08.1808, quando a nomeação de Amorós foi em Fevereiro de 1809, logo Junot
ainda não tinha conhecimento dela por antecipação, pelo que nunca poderia ter
entrado em Portugal. Considerando ainda que, nas 2.ª (1809) e 3.ª (1810-1811)
invasões, as tropas francesas saíram sempre derrotadas, nunca ocupando a
Capital, qualquer hipótese cai pela base.
O Major Viriato Rodrigues, numa conferência proferida em 09.10.1931, aborda o convite enviado por Soult a Amorós, no começo da Restauration, sem especificar, se a- 1.ª
(1814-1815), ou, a 2.ª (1815-1830), visto que ocorreram em datas diferentes. Carece
de credibilidade, se considerarmos que o Gen. Soult foi ministro da guerra de
03.12.1814 a 11.03.1815, e 1.º ministro de França, desde 11.10.1832 a 18.07.1833;
desde 12.05.1839 a 01.03.1840; desde 29.10.1840 a 19.09.1847. Dentro destas
faixas de tempo cabe o tempo em que Amorós implantou o Ginásio em Paris, onde
chegou em Dezembro de 1813, se naturalizou em 1816, e passou por inúmeras
dificuldades, perante as quais Soult nunca interveio a seu favor, sinal de que
nunca convidou Amorós. Se tivesse de facto convidado Amorós não tomaria a atitude
de ignorá-lo. A melhor confirmação reside em todos os manuscritos do criador da
ginástica que não faz uma única referência ao nome de Soult, nem a qualquer
pedido que dele tivesse partido.
No 123.º aniversário do Ginásio
Club Português, uma revista da capital, sumariando a história do GCP, volta a
referir que D. Pedro tinha trazido para Lisboa o coronel francês Amoros “com o
objectivo de dar aulas de ginástica”, o que não se concretizou, como mais
adiante se esclarecerá.
(Continua)
[11] Em 1998, a Editions
Revue «EP.S», Paris, decidiu
reimprimir os três volumes editados em 1834.
[12] Centazzi, G., op.cit.
[13] O DG n.º 138, de 13.6.1836, anunciava a publicação nos
seguintes termos: “Lisboa, 12.6.1836 – Publicação
Litteraria. Sahiu á luz = Considerações geraes sobre os Exercícios
Gymnasticos, e as vantagens que delles resultam. = Ensaio lido e dedicado a
Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa, pelo seu sócio G. Centazzi, Doutor
em Medicina. Vende-se na loja de livros de Martin & Irmãos, defronte do
chafariz do Loreto, n.º 6.” O Boletim do Instituto Nacional de Educação Física,
n.º 3, de 1962, reproduz este texto, a páginas 151~182.
[14] In “História
de los Deportes”, vol. II, ed. Luís de Caralt, Barcelona, 230
[15] Id.Ibid., p.
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