Post publicado no blog De Rerum Natura, em 15-01-3013
We should not forget that
theory is secular. Theory whether is an end or a means, will require the
following to have greater significance in the sociology of sport: (a) a
healthy division of labour, (b) a deliberate effort to accumulate, (c) a
greater intellectual independence, and (d) acknowledged coexistence.
Kenion (1986)
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3.
Os reflexos do campo do corpo na irrita legislação
Ao
longo de toda a Monarquia constitucional, desde o último quartel do século XIX,
ou melhor, desde a Regeneração, e já no primeiro terço do século XX, em plena
República, a actividade legislativa respeitante às actividades físicas,
educacionais, e militares, foi bastante extensa, mas pouco intensa, pela fraca
ou nula aplicação, por ignorância umas vezes, por exauridos os recursos outras
vezes, ou por escassa vontade política, outras.
A
passagem ritual do século XIX para o século XX, ao institucionalizar-se a nova
Constituição, caucionou-se uma nova política, mas, na área governativa, o campo
político limitou-se a dar continuidade à legiferação, resultando daqui
ter sido o ordenamento normativo, mais o produto da disputa entre os interesses
das facções partidárias e políticas do que a resposta ao campo do corpo,
obnubilando, intencional ou inadvertidamente, a reconhecida necessidade de
legitimar e institucionalizar as actividades físicas.
Legislava-se, ou na convicção de que se
transmitia a preocupação do governo, em matéria que dizia respeito ao exercício
do corpo, à saúde, ou, de que a multiplicação de leis patentearia a ideia de
que os deputados se afanavam na procura de respostas e de soluções, quando na
verdade sedimentavam a ideia de que as protelavam. Criavam-se normas
perfunctórias para calar as poucas e fracas críticas, e responder às vagas e
frouxas pressões, mas, de maneira inócua, porque legislar não era aplicar nem
executar. Donde, se o Estado legislava e não cumpria nem aplicava o articulado
das leis, o cidadão colhia o exemplo de que também a impunidade lhe assentaria
caso não cumprisse as normas que se impunham. O Estado, inconscientemente,
cultivava e legitimava o desrespeito pelo Direito, e alienava a última porta da
sua autoridade - a ética. Os decisores estavam decididos a não decidir.
Havia
contudo quem se convencesse de que o liberalismo era a porta aberta para o
respeito pelas leis, como deu conta esta Carta
que hum provinciano escreveu a um seu amigo da mesma província sobre a
observância das leis [1], onde, o incógnito autor perorava
desta forma:
(...) já vejo um
notável melhoramento com a nossa regeneração Politica, pois que as Leis se
mandam cumprir exactamente, e se castiga o que abusa do seu cumprimento; e é isto
o que nos faltava, pois não se observando a Lei não pode existir a Sociedade,
na certeza de que sendo a mesma Lei uma razão que definida pelo comum
consentimento, manda, e determina o modo, com que se há de fazer: uma oração
grave, e recta, que manda o que se há de obrar, e proíbe o que se não deve
fazer. (1821:3)
E
porque, às vagas e frouxas pressões, se responde com vagas e frouxas leis,
ficam assim, por agora, e de alguma maneira, sumariamente explicitados os
fundamentos das inexpressivas, irreais e ilusórias normas jurídicas
prodigalizadas pelos sucessivos governos, apostados em não mandar “o que se há de obrar”.
No
cômputo geral, e porque se vivia em sociedade, chegava-se a esta conclusão:
faziam-se leis que, embora publicadas, não eram feitas para se aplicarem, e as
leis que deviam ter sido publicadas, para serem aplicadas, nunca foram
elaboradas. Eram normas mortas, sem vida, sem expressão, e sem futuro,
destinadas a figurarem na colectânea de leis dos respectivos governos, como se
o dever do legislador fosse o de cumprir um ritual legífero. Seriam meras
encenações jurídicas, esquecido o legislador da célebre frase lapidar, do
deputado Fernandes Tomás, no despontar do liberalismo: “As actuais Cortes Constituintes,
não estão fazendo Leis para Legisladores, mas sim para Povos (...)”,[2] O que seria lapidar e exemplar, se aplicada
fosse a citação.
Nem
na designação da folha oficial do governo se mantinha o desiderato de acertar na titulação, tantas
foram os títulos que lhe conferiram como se verifica neste quadro:
Mutação das
Designações da Folha Oficial do Governo
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Desde
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Até
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Gazeta de Lisboa
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16 Set. 1808
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30 Dez. 1820
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Diário do Governo
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1 Jan. 1821
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10 Fev. 1821
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Diário de Regência (até
à chegada de D. João VI)
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12 Fev. 1821
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4 Jul. 1821
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Em 4 Jul. desembarca em Lisboa D. João VI
vindo do Brasil
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Diário do Governo (após a chegada de D. João VI)
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5 Jul. 1821
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4 Jun. 1823
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Gazeta de Lisboa
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5 Jun. 1823
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24 Jul.1833
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Em 24 Jul. entrada do exército Liberal em
Lisboa
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Crónica Constitucional de Lisboa
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25 Jul. 1833
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30 Jun. 1834
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Gazeta Oficial do Governo
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1 Jul. 1834
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4 Out. 1834
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Gazeta do Governo
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6 Out. 1834
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31 Dez. 1834
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Diário do Governo
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1 Jan. 1835
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31 Dez. 1859
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Diário de Lisboa
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1 Nov. 1859
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31 Dez. 1868
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Diário do Governo
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2 Jan. 1869
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9 Abr. 1976
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Diário da República
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10 Abr. 1976
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2013
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Era
um desassossego permanente como que em busca de porto seguro que pudesse transferir
ou conferir às leis nelas ínsitas, maior credibilidade, legitimidade e alguma
licitude, e, em caso de dúvida da semântica normativa, o recurso ao in
dubio pro reo estaria implícito no corpus
da lei. Mas não passava de uma rotina consuetudinária a marcar o território de cada regime, ou dentro do regime a marcar a mudança das regulações 'passadas.
Se
não se consideram fáceis as relações entre o campo político e o campo do
corpo, tampouco serão as interacções entre o campo político e o campo
jurídico. Este campo de jogos entre os quatro campos foi explorado por Ejan Mackaay (1991: 65-89), sob o título de Le droit saisi par le jeu, considerando que a teoria dos jogos opera uma distinção fundamental entre os jogos de
conflito puro, os jogos de simples coordenação e os jogos mistos, esclarecendo que nos primeiros há uma
oposição total, uma guerra declarada, dados os desencontros entre o campo político, v.g. e o campo do corpo, já que os interesses de
um são totalmente opostos aos do outro; os de simples coordenação pressupõe o
diálogo para fugir aos conflitos, uma convenção pela defesa das duas partes
para evitar a violação de uma das partes, de que deu testemunho o sindicalista
João Proença ao declarar que a convenção assinada por ambos, Sindicato e
Estado, foi violada pelo Estado. Mas o Estado, em tal matéria não é virgem.
Os
jogos mistos patenteiam as dificuldades de cada campo se dissociar dos seus interesses, por desinteressados, na
convicção de que o outro alguma vez pretenda um acordo ou convenção. É o que se
passa presentemente entre o Ministério da Educação e o campo do corpo, quando aquele pretende encurtar o tempo da
disciplina de educação física, e o segundo se opõe. Com o senão de que nem um
nem o outro se dispõem a desligar-se dos seus interesses.
Ver-se-á
como, através dos diferentes regimes políticos, os exemplos se frutificam.
Se
da Monarquia absoluta se passou para a Monarquia constitucional, isto é, para o
liberalismo, ou dito de outra forma, das leis ditadas pela vontade do monarca,
para as leis legitimadas pela vontade popular, a apetência normativa não
diferenciou o novo poder popular do antigo poder monárquico. E a sua multiplicação
não respondeu nem correspondeu às promessas que prenunciavam, minando as
expectativas, semeando ilusões, alimentando desilusões, e inculcando
frustrações. José António Barreiros considera que o século XIX se caracterizou:
(...) por uma actividade legislativa fervilhante, cujo
início se reporta precisamente aos meses imediatamente seguintes à própria
revolução de 1820, o que se compreende atentando por um lado, no movimento de
ampla renovação jurídica que então grassava na Europa e, por outro, nas
necessidades de alteração institucional emergentes da própria revolução e do
seu acidentado percurso.[1]
Nem
será lícito argumentar qualquer ignorância ou desconhecimento em matéria à qual
o próprio Diário do Governo, então
com o nome de Gazeta de Lisboa, dava
guarida, dedicando algumas páginas às
actividades físicas, independentemente de outras publicações avulsas, com
especial destaque para as dos médicos. A menos que a sua inserção na folha
oficial pretendesse manifestar o intento de comunicar e propagandear, por este
processo, um declarado e expresso interesse por uma causa legítima, mas, na
prática, o campo político
desvanecia-se, porque fora de todas as prioridades no entendimento do campo
do corpo. E porque esse será o estigma dos poderes instituídos sobre as
actividades corporais, dar-se-á agora alguma notícia, sem exaustão, das
referências saídas a lume,
Notas
19 Na Typographia de Bulhões, Lisboa,
1821.
20 Frase proferida na 195.ª Sessão das Cortes de
2 de Outubro de 1821 (Vide DG n.º 235, 4.10.1821). O Diário do Governo será sempre abreviado
em DG.
21 Vide
“As instituições criminais em Portugal no século XIX: subsídios para a sua
história”, in O Século XIX em Portugal,
comunicações apresentadas ao colóquio organizado pelo Gabinete de Investigações
Sociais, Colecção Análise Social n.º 9, Lisboa, Novembro de 1979
Referências
(1821) Anónimo. Carta, que hum provinciano escreveo a hum
seu amigo da mesma Província sobre a obsercancia
das
Leis. Lisboa: Na Typografia de Bulhões (Com Licença da Comissão da Censura).
(1986) Kenion, Gerald S. "The significant of social theory in the development of Sport Sociology", in Sport and Social
Theory. Champaign, Illinois: Human Kinetics Publishers, Inc. (USA)
Leis. Lisboa: Na Typografia de Bulhões (Com Licença da Comissão da Censura).
(1986) Kenion, Gerald S. "The significant of social theory in the development of Sport Sociology", in Sport and Social
Theory. Champaign, Illinois: Human Kinetics Publishers, Inc. (USA)
(1991) Mackaay, Ejan, “Le droit saisi par le jeu”, in Droit et Société, 17/18, pp. 65-89). Paris : L.G.D.J.
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