terça-feira, 8 de maio de 2012

A Lapa em bom caminho

A peça de Carlos Filipe no Público de hoje sobre a união da cultura e do desporto no ex-Complexo Desportivo da Lapa trás ao desporto magníficas notícias.

A Lapa vai ser respeitada na sua integridade cultural e desportiva o que muitas pessoas de bom senso defenderam desde 2008.

Pela minha parte escrevi vários textos.

O texto que se segue foi proposto por mim ao blogue Colectividade Desportiva que o publicasse como anónimo.

Tal foi recusado dado o estilo do texto que me identificava e na altura concordo que era um risco muito grande ter uma posição tão frontal face ao poder político do governo PS.

O texto aqui segue tal como foi escrito em 2008:


A venda do Complexo Desportivo da Lapa à empresa Estamo

1. A venda das infra-estruturas desportivas do centro das cidades é proibida pela legislação dos países europeus mais avançados. As razões relacionam-se com:
a.       As instalações desportivas são espaços de serviço público que geram benefícios para as populações locais e para as organizações e empresas aí sedeadas.
b.      A venda dos espaços em áreas urbanas valorizadas gera mais-valias financeiras instantâneas que beneficiam os agentes privados que as adquirem.
c.       Esta apropriação privada de benefícios públicos é imoral para as populações carenciadas, como parte das que vivem na Lapa e bairros limítrofes. Alguns moradores da Lapa terão meios para pagar os ginásios privados e o usufruto de espaços desportivos noutros locais da cidade o que não acontece com as populações com restrições à sua mobilidade para a prática desportiva.

2. O silêncio da opinião pública face à venda do Complexo Desportivo da Lapa (CDL) mostra a pouca distância que estamos do Burkina Fasso.

3. Não vale a pena chamar nomes aos protagonistas porque a sociedade é que está a errar:
a.       O desporto já se apercebeu que há equipas e projectos que o prejudicam.
b.      Este Governo e as Finanças ou outros quaisquer decidiram vender património público e o desporto foi incapaz de propor vias de benefício alternativo ao Estado.

4. Grosso modo, como se processou a venda do património público desportivo?
a.       Após a desafectação do património público, a venda do CDL à empresa pública Estamo rendeu 8,5 milhões de euros, dizem que parte do qual já entrado no Instituto do Desporto de Portugal.
b.      Seguidamente a Estamo valoriza este espaço em termos imobiliários permitindo-lhe realizar uma mais-valia, de milhões de euros adicionais, como simples intermediário da valorização do velho património desportivo em activo imobiliário.
c.       Não se sabe se os termos deste negócio foram propostos pelo desporto ao Governo ou se foi este a determinar os termos da decisão.
d.      O ministro do Desporto não explicou a razão do seu acto em conjunto com os da Cultura e Finanças.
e.      Existem dúvidas sobre os direitos dos herdeiros dos donos iniciais do CDL os quais terão doado ao Estado para uso desportivo.
                                                               i.      Se for esse o caso, os herdeiros não se importarão de um ressarcimento financeiro, o que descansa o Ministro das Finanças mas não acalma os princípios éticos desportivos a que deveriam estar atentos os ministros do Desporto e da Cultura.
                                                             ii.      A venda fazendo-se a 100 metros da residência oficial do Primeiro-Ministro não se poderá afiançar que se ignora o que se passa.

5. O que é o CDL? A dimensão imaterial do património do complexo Desportivo da Lapa é superior à soma das suas partes. Inúmeras dimensões vitais podem ser consideradas:
a.       A dimensão de alta competição: O CDL tem servido os atletas da alta competição do judo e da esgrima, nomeadamente, o que uma análise fina e complexa das necessidades da alta competição nacional permitirá encontrar uma nova relação de eficiência.
b.      A dimensão de serviço público local: localizado no seio dos bairros dos bairros carenciados da Madragoa, Lapa, Santos e da Estrela o CDL é a oportunidade de serviço público local a potenciar pelas Juntas de Freguesia locais. As populações de maiores rendimentos usam a instalação assiduamente e se por um lado podem deslocar-se a outras instalações limítrofes já as escolas infantis, universitárias e outros serviços da zona serão prejudicados pela opção economicista da administração central. Desconhece-se até ao momento a posição da Câmara Municipal de Lisboa sobre este acto que afecta a qualidade de vida das suas populações da zona da Lapa.
c.       A dimensão cultural e patrimonial da Lapa como um dos bairros carismáticos de Lisboa e do país: Enquanto sede do Museu e da Biblioteca do Desporto, facultando dimensões culturais e científicas, o CDL extravasa a utilidade dos serviços desportivos e administrativos que a espaços têm sido potenciados. Os serviços do CDL são adequados à Lapa compaginando os serviços de liderança pública do desporto, a excelência desportiva e o usufruto da população local.
d.      A dimensão política: O CDL pode ser a sede da Secretaria de Estado do Desporto junto à Assembleia da República e perto da Presidência do Conselho de Ministros. Por tradição os Secretários de Estado do Desporto são deputados o que mais realça a desatenção do pessoal político para um activo como o CDL. A maximização do espaço permite ter acesso para três ruas distintas e a reconfiguração arquitectónica do complexo permitiria a salvaguarda do ruído e movimento público das instalações desportivas e da qualidade necessária à sede de uma Secretaria de Estado.
e.      A dimensão patrimonial e arquitectónica: O complexo necessita de um projecto ambicioso e socialmente mobilizador. Portugal possui arquitectos de qualidade e empresas capazes de face a um programa definido com rigor em resposta aos princípios europeus de desenvolvimento criar um centro notável para o bairro da Lapa.
f.        A dimensão autárquica: O diálogo com a Câmara Municipal de Lisboa é fundamental em múltiplos factores quando toca a mexer numa peça capital como o CDL.
g.       A dimensão legislativa: o regime jurídico das instalações desportivas têm lacunas não resolvidas como seja o caso do abate das instalações que servindo populações, por vezes carenciadas, assistem à apropriação de benefícios financeiros privados e que são inaceitáveis eticamente do ponto de vista da ética do Governo e do Desporto.
h.      A dimensão económica: Eventualmente o destino do CDL ficou traçado com a pobreza da economia aplicada ao desporto a qual enfraquece os principais projectos desportivos nacionais. O desporto, o CDL e a Lapa possuem uma equação de eficiência complexa que é necessário assegurar. Existem custos e existem benefícios que não foram avaliados com o projecto de abate do CDL. Estão em causa princípios de comportamento público e de governance da coisa pública que têm sido defraudados ao desporto português. Retirar o CDL tem custos para a população local, para a cultura e o património da Lapa e para a alta competição. São custos intangíveis que a administração pública portuguesa não trata e que no caso do desporto assume dimensões éticas que noutros sectores poderão ser desprezíveis. Do lado das receitas, a resposta aos benefícios potenciais gerará benefícios monetarizáveis os quais valorizarão o investimento realizado pelo Estado e libertará espaço para algum aproveitamento lucrativo adicional a ser explorado pública ou empresarialmente.

6. Opções possíveis:
a.       Abandonar à voracidade economicista do orçamento nacional desequilibrado, deste ou doutro governo, uma peça essencial da qualidade de vida de um dos bairros carismáticos dos portugueses.
b.      Reconceber o CDL numa visão inovadora e moderna, do século XXI, para o espaço que pode ser tomado como um exemplo nacional sobre o que fazer das instalações desportivas situadas nos centros da cidades portuguesas.

7. Qual a falha fundamental deste projecto de abate do CDL?
a.       A inexistência de um conceito nacional de desporto e do seu desenvolvimento em benefício da população.
b.      O abate da infra-estrutura dividindo os benefícios entre o IDP, que ganha os trocos, 8,5 milhões, as Finanças, que ganha duas, três ou quatro vezes mais pela venda directa aos privados, e os privados é uma solução menor e preguiçosa na perspectiva financeira e eticamente reprovável na óptica do desporto.

8. Poderá o Colectividade Desportiva assumir uma função pública de debate e sensibilização da opinião pública para este possível atentado interesse do desportivo nacional e mobilizar a sociedade para uma solução alternativa?

Lisboa, 20 de Outubro de 2008

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