Francisco Lázaro e Vanessa Fernandes estão entre os maiores atletas olímpicos de Portugal. A 100 anos de distância os
dois atletas tiveram resultados perversos da prática de alto rendimento.
Francisco Lázaro morreu de inanição, um dos poucos casos em toda a história dos
Jogos Olímpicos, em Estocolmo no ano de 1912. Um caso triste que o Comité
Olímpico Internacional se recusa a celebrar segundo as palavras de Vicente
Moura o presidente do Comité Olímpico de Portugal. Vanessa Fernandes depois de
ganhar a prata colapsou deixando de competir, após os Jogos Olímpicos de Pequim
em 2008 com vinte e poucos anos na altura, quando a carreira do triatlo permite
períodos de competição longos ao mais alto nível desportivo para além dos
trinta anos.
A estes dois casos extremos, um nos primórdios do olimpismo no
século XX e outro, passados cem anos, no início do século XXI, junte-se a
imagem da acumulação de medalhas olímpicas, por países equivalentes a Portugal,
para aferir o nível olímpico do país. Os três grupos formados demonstram que a nossa
situação olímpica é frágil.
Fonte: Distribuição de medalhas do Comité Olímpico
Internacional de 1896 a 2008.
O primeiro grupo de países tem três países que conquistaram
entre 250 e 500 medalhas e que são a Hungria, Finlândia e Holanda. O segundo
grupo tem oito países a Suíça, Dinamarca, República Checa, Noruega, Grécia,
Bélgica, Iugoslávia e Áustria variando de 90 a 170 medalhas. O terceiro grupo
tem dois países periféricos e católicos a Irlanda e, por fim, Portugal com menos
de 25 medalhas. Numa palavra, Portugal tem um problema de eficácia na conquista
de medalhas olímpicas e um desafio de eficiência face a países com igual
demografia e produto económico questões não resolvidas em cem anos.
O caso de Vanessa Fernandes é alarmante e torna-se indigno
pela forma como Portugal lida com a tragédia de uma das atletas olímpicas mais
queridas dos portugueses. Portugal como que usou a talentosa jovem e já se
esqueceu dela. Dizem que lhe foi dado dinheiro do Estado para se curar!
Recapitulemos: Vanessa Fernandes desde a sua meninice
correu, nadou, andou de bicicleta como os seus maiores lhe diziam para fazer e
aprendeu a sofrer ‘como muita gente grande’ não está para aí voltada. Disse que
não queria estudar e o Estado português, as empresas patrocinadoras e as
organizações desportivas de topo aceitaram pronta e negligentemente. Algo
correu muitíssimo mal porque a carreira desportiva da jovem talento que deveria
durar 5 ou 6 Jogos Olímpicos gripou ao segundo e a jovem está sem sucesso na
carreira desportiva, sem uma profissão e doente porque o Estado, as empresas e
as federações não assumiram o erro e dar-lhe o melhor dos tratamentos possível
a nível mundial.
Potencialmente, numa carreira desportiva sustentada, quantos
euros valeriam Vanessa Fernandes? Para os empresários atentos, há quatro ou cinco
anos a Vanessa fazia capas e anúncios de página inteira. Esse potencial foi o
activo cerceado, ou seja, o percurso de sucesso desportivo de uma década. Dizer
que a Vanessa tinha um potencial económico directo de alguns milhões de euros
dependeria da mestria nacional em valorizar esse capital humano raro, sem o
matar à nascença. Indirectamente o exemplo de Vanessa Fernandes para as
gerações mais novas e o impacto de um pós-carreira de um campeão bem formado
escolar e profissionalmente geraria outros milhões tangíveis e intangíveis.
Recentemente Gustavo Pires publicou um livro sobre Francisco
Lázaro e houve um debate no Museu Nacional do Desporto sobre as causas da morte
do campeão. Portugal a cem anos de distância procura saber porque morreu um
atleta e não audita a destruição da atleta desportiva mais talentosa da última
década. Desportivamente coloquemos a fasquia alta e concluamos que o desafio do
desporto português deve começar por compreender muito bem o que correu mal com
Vanessa Fernandes. Primeiro porque há que saber o que correu mal segundo porque
há muitos atletas jovens a quem pode acontecer o mesmo havendo desconhecimento
do que correu mal com Vanessa Fernandes. Fazer esse inquérito público é uma
dívida de cem anos com Francisco Lázaro e um dever de Portugal para com Vanessa
Fernandes face ao esbulho, mesmo que inadvertido, da sua juventude e do seu
imenso talento desportivo. Não está em causa levar alguém a tribunal ou o que
quer que seja relacionado com a Justiça que nunca se faz em Portugal. O
desporto português não pode ser uma ‘smoking gun’ que dispara e ninguém tem a
coragem de ir à origem do que correu mal. Justifica-se que Portugal faça duas
coisas: primeiro, reconstrua a atleta com os melhores meios que o país tenha ou
contrate internacionalmente quem tenha o perfil para o realizar; segundo, contrate
os melhores especialistas para fazerem o trabalho de saber tudo o que
aconteceu, ‘preto no branco’.
Portugal não pode continuar a tratar o seu capital humano e
social como vulgares bens transacionáveis da negociata mais à mão. Helena
Garrido, a 17jul12, no Jornal de Negócios, alertou para o mal que nos aflige de
termos perdido valores que dávamos por adquiridos mas a questão talvez seja da
dificuldade, que também temos, de assumir aquilo que nunca soubemos, como
competir no âmago de uma civilização extraordinária como a europeia.
O desporto não é uma caridade é um acto de sobrevivência
global, de valorização e de especialização do capital humano nacional, de
competitividade e produtividade económica. Os países que ganham centenas de
medalhas olímpicas e não brincam às presenças honrosas nos Jogos Olímpicos,
todos os quatro anos, são os valores civilizacionais e de sobrevivência
enquanto nação que os norteia. A nossa crise de valores civilizacionais estará
na base das crises económicas que nos atormentam há anos.
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